Este blog foi impulsionado pela SPEM – Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla, e pretende ser um espaço onde se
entornem discussões, novidades, perguntas, respostas, conversas, histórias e viagens – em redor da vida com Esclerose
Múltipla e Outras Coisas Também.









sábado, 8 de setembro de 2012

Bogotá-a-alta


Aterrei em Bogotá no dia 28 e encontrei-a tal como a recordava: gigante, caótica, difícil de entranhar. Bogotá-a-alta é mais difícil do que comer chinchuyos mal fritos (que são intestinos de vaca e se chamam chinchulines na argentina) ou acabar com todos os componentes de um pequeno-almoço tipicamente colombiano (cumulativamente e por ordem cronológica, café, que aqui se chama tinto, leite com chocolate, sumo de guanabana ou lulo ou outra fruta mais ou menos desconhecida, caldo de carne e batata, tamal com milho, que é um naco de coisa embrulhada em folha de árvore de banana, mantecada, fruta em pedaços que pode ser lulo ou manga ou  outra, ovos, batata cozida e pão com manteiga): é preciso um esforço. É uma cidade dura, seca e sem floreados, onde as ruas são geométricas e têm números e não nomes. O Rodolfo, meu fiel companheiro desta e de outras viagens, é destes que sabe sempre onde está o norte, e assim se orienta. Eu? Eu perco-me, apesar da matemática. Deixem-me, então, explicar-vos a cidade à minha maneira. 
Bogotá corre, quase toda ela, ao nível do chão: as casas são baixas e as ruas são simples, e a sensação constante é a de que estamos quase-quase a chegar a algum lugar. Os bairros são de cimento e tijolo, a maior parte deles não pintados, e as ruas são coroadas por emaranhados de cabos e telhados de chapa, que lhe emprestam um falso ar clandestino ou improvisado. 
Bogotá-inquieta é também Bogotá-a-alta, porque repousa num planalto a 2600 (!) metros de altitude e não tem estações do ano, mas apenas fresco, frio ou muito frio, e nasce entre morros, colada à montanha do santuário de Montserrate, do alto da qual (3200m!) se ganha compreensão da cidade que não acaba e corre rasteira.
E depois, ao nível do chão, a rua move-se e se apura e borbulha em movimento e comércio de bairro em todos os bairros. Lojas, oficinas, armazéns, bancas, carrinhos, caravanas e estantes improvisadas compram e vendem tudo o que se possa imaginar por toda a cidade: jarros, alguidares, de plástico, de ferro, parafusos, colchas, caixas de fruta, com e sem fruta, fotocópias, minutos de telemóvel, peças de carro, peças de máquina de lavar, peças generalistas, pneus, portas, cabeceiras de cama, toalhas (lisas, padrão ou fantasia), molduras com vidro, molduras sem vidro, vidro para molduras, pêra-abacate com sal, chapéus, tinto. Correm a cidade bicicletas com fruta, carrinhos com brinquedos, camiões velhinhos com vigas e bobinas, peões com todo-tipo de safa-tostões. Es que acá en Bogotá el comercio es como, pues, muy informal. Qualquer coisa que se precise ou nem se imagine necessária se encontra nas ruas de Bogotá, como num gigante mercado de rua.
Apesar da dimensão, da estranheza já repetida e da minha total desorientação, volto a encontrar também, no segundo em que aterro pés, a minha querida Colombia-casa, que volta a acolher-me de braços abertos, mesa posta e tectos vários. O meu querido Juan-prestes-a-casar, e toda a sua família alargada e da sua noiva, e dos irmãos e dos avós e dos amigos e dos outros, recebem-nos nas suas casas e nas suas famílias como se delas fossemos, e voltam a lembrar-me todos os dias Bogotá-vida, Bogotá-diária e Bogotá-íntima, com seus humedales escondidos (pântanos de estranha tranquilidade que salpicam a cidade), seus refeitórios que servem, com o menu do dia, a sopita del dia e pratos obscenos de fruta como entrada, seu sentido de família e de humor, seu rebuliço, seus gritos alegres, a musica, a ginga, a hospitalidade e a gentileza sem limites desta gente colombiana. Temos tido sempre alguém que nos dá boleias, conversa, histórias, lendas, almoço, dormida e café, e temo-nos deixado levar, deliciados e sem pensar. 
A simpatia pelos cantos e pelos emaranhados de fios, pelos tectos baixos e pelas ruas-vielas de Bogotá renasce com o jeitinho colombiano: que a cidade esteja cheia de colombianos ajuda a que uno se encante.  

Bogotá-a-alta 





2 comentários:

Rafaela disse...

A sério que estive em Bogota nos poucos minutos em que li as tuas palavras e sinto-me agora um desses humedales escondidos! Como escreves bem Catarina!

Ai de ti que estas palavras se fiquem por um blogue!

Queremos palavras em papel, eternas, para passar aos filhos e aos netos... para viajar através dos teus olhos, do teu sorriso (que imagino constante), do teu interesse e ousadia. Para sentir como tu sentes, mesmo que seja so através de olhos que lêem e de paginas que nos deslizam nos dedos..

Bem-hajas minha querida!

Que prazer, que prazer!!!!

Beijinhos de Bruxelas - a cinza! :)

Snowball disse...

Que viagem fiz neste minutos! Fantástico texto!

Obrigada!

Daniela Leite Silva