Aterrei
em Bogotá no dia 28 e encontrei-a tal como a recordava: gigante, caótica, difícil de
entranhar. Bogotá-a-alta é mais difícil do que comer chinchuyos mal fritos (que são intestinos
de vaca e se chamam chinchulines na argentina) ou acabar com todos os
componentes de um pequeno-almoço tipicamente colombiano (cumulativamente e por
ordem cronológica, café, que aqui se chama tinto, leite com chocolate, sumo de
guanabana ou lulo ou outra fruta mais ou menos desconhecida, caldo de carne e
batata, tamal com milho, que é um naco de coisa embrulhada em folha de árvore
de banana, mantecada, fruta em pedaços que pode ser lulo ou manga ou
outra, ovos, batata cozida e pão com manteiga): é preciso um esforço.
É uma cidade dura, seca e sem floreados, onde as ruas são geométricas
e têm números e não nomes. O Rodolfo, meu fiel
companheiro desta e de outras viagens, é destes que sabe sempre onde está o
norte, e assim se orienta. Eu? Eu perco-me, apesar da matemática. Deixem-me, então, explicar-vos a
cidade à minha maneira.
Bogotá
corre, quase toda ela, ao nível do chão: as casas são baixas e as ruas são
simples, e a sensação constante é a de que estamos quase-quase a chegar a algum
lugar. Os bairros são de cimento e tijolo, a maior parte deles não pintados, e
as ruas são coroadas por emaranhados de cabos e telhados de chapa, que lhe
emprestam um falso ar clandestino ou improvisado.
Bogotá-inquieta
é também Bogotá-a-alta, porque repousa num planalto a 2600
(!) metros de altitude e não tem estações do ano, mas apenas fresco, frio
ou muito frio, e nasce entre morros, colada à montanha do santuário de
Montserrate, do alto da qual (3200m!) se ganha compreensão da cidade que não
acaba e corre rasteira.
E
depois, ao nível do chão, a rua move-se e se apura e borbulha em
movimento e comércio de bairro em todos os bairros.
Lojas, oficinas, armazéns, bancas, carrinhos, caravanas e estantes improvisadas
compram e vendem tudo o que se possa imaginar por toda a cidade: jarros, alguidares, de plástico, de ferro, parafusos, colchas,
caixas de fruta, com e sem fruta, fotocópias, minutos de telemóvel, peças de
carro, peças de máquina de lavar, peças generalistas, pneus, portas, cabeceiras
de cama, toalhas (lisas, padrão ou fantasia), molduras com vidro, molduras sem
vidro, vidro para molduras, pêra-abacate com sal, chapéus, tinto. Correm a
cidade bicicletas com fruta, carrinhos com brinquedos, camiões velhinhos com
vigas e bobinas, peões com todo-tipo de safa-tostões. Es que acá en
Bogotá el comercio es como, pues, muy informal. Qualquer coisa que se
precise ou nem se imagine necessária se encontra nas ruas de Bogotá, como num
gigante mercado de rua.
Apesar
da dimensão, da estranheza já repetida e da minha total desorientação, volto a
encontrar também, no segundo em que aterro pés, a minha querida Colombia-casa, que volta a acolher-me de braços abertos, mesa posta e
tectos vários. O meu querido Juan-prestes-a-casar, e toda a sua
família alargada e da sua noiva, e dos irmãos e dos avós e dos amigos e dos
outros, recebem-nos nas suas casas e nas suas famílias como se delas fossemos, e voltam a lembrar-me todos os dias Bogotá-vida, Bogotá-diária e
Bogotá-íntima, com seus humedales escondidos (pântanos de estranha
tranquilidade que salpicam a cidade), seus refeitórios que servem, com o menu
do dia, a sopita del dia e pratos obscenos de fruta como
entrada, seu sentido de família e de humor, seu rebuliço, seus gritos alegres, a
musica, a ginga, a hospitalidade e a gentileza sem limites desta gente colombiana. Temos tido sempre alguém que nos dá
boleias, conversa, histórias, lendas, almoço, dormida e café, e temo-nos
deixado levar, deliciados e sem pensar.
A
simpatia pelos cantos e pelos emaranhados de fios, pelos tectos baixos e pelas
ruas-vielas de Bogotá renasce com o jeitinho colombiano: que a cidade esteja
cheia de colombianos ajuda a que uno se encante.
2 comentários:
A sério que estive em Bogota nos poucos minutos em que li as tuas palavras e sinto-me agora um desses humedales escondidos! Como escreves bem Catarina!
Ai de ti que estas palavras se fiquem por um blogue!
Queremos palavras em papel, eternas, para passar aos filhos e aos netos... para viajar através dos teus olhos, do teu sorriso (que imagino constante), do teu interesse e ousadia. Para sentir como tu sentes, mesmo que seja so através de olhos que lêem e de paginas que nos deslizam nos dedos..
Bem-hajas minha querida!
Que prazer, que prazer!!!!
Beijinhos de Bruxelas - a cinza! :)
Que viagem fiz neste minutos! Fantástico texto!
Obrigada!
Daniela Leite Silva
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