Este blog foi impulsionado pela SPEM – Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla, e pretende ser um espaço onde se
entornem discussões, novidades, perguntas, respostas, conversas, histórias e viagens – em redor da vida com Esclerose
Múltipla e Outras Coisas Também.









terça-feira, 24 de abril de 2012

Companheira de Outras Dores


Nunca chamarei companheira à EM - para essa galdéria, tenho uns quantos insultos guardados. Não. Bem pode andar atrás de mim, que eu dela fujo. Seja uma maratona, pois então.
Falemos de dores. Mas não das dores da EM. As outras. As minhas outras.

Tenho saudades da minha Mochila. Esse monte de trapos já gasto de viagens e orgulhos cosidos de lado, em forma de bandeira. Argentinuruguaybolíviaperucolombiachilepanamacostaricanicaráguamarrocosvietnamcambodja e a américa-do-sul-às-costas-do-meu-irmão, no mesmo jeitinho vagabundo cujo amor partilhamos. No momento da passagem (emprestada) do testemunho, baptizei-a La Poderosa. Ou terá sido La Compañera? Não, não, deixemo-nos de estrangeirismos: foi A Companheira, e desta forma a passei às costas do meu irmão:

«SIM,  essa mochila sagrada e eterna que já percorreu a américa do sul, de onde é natural, o panamá, a costa rica, a nicarágua, e os vietnames.
Sim, essa que tem uma bandeirinha argentina cosida com lágrimas e suor, sim essa que, apesar de ter custado 10 euros no retiro, e conseguir fazer de um belo e musculado costado um caco digno de velho corcunda de 80 anos (sem contar com os sovacos assados), foi, apesar de tudo, C O M P A N H E I R A de muitas estórias e aventuras, almofada nos momentos de exaustão, cama nos de pobreza, companhia nos de solidão e até confidente-saco-de-boxe nos momentos de raiva, fúria e frustração.
A   C O M P A N H E I R A tem capacidade para 70 litros  e muita experiência para dar.
 Em Buenos Aires, faremos um ritual à altura de tão sublime entrega, e farás os devidos juramentos e votos: jurarás que a respeitarás, amarás e apoiarás, não só nos momentos de felicidade, em que darás graças aos céus por teres tido espaço na mochila para aquela camisolinha quentinha que nao precisaste a viagem inteira, excepto quando chegaste a Machu Pichu debaixo de chuva torrencial e ficaste encharcado e a chorar de frio, ou naqueles momentos de privação de sono em que, esperando o autocarro durante 6 horas na Bolivia, porque a estrada ruiu e o autocarro ficou preso numa avalanche, Ela te servirá de doce almofada; mas também nos momentos de alças rotas (momentos em que a coserás carinhosamente), assamento do sovaco (momento em que besuntarás o dito com creme-de-rabo-de-bebé) e desconforto grave e absoluto, caso em  O L H A R Á S    E M   
S I L Ê N C I O   P A R A   A   B A N D E I R N H A    A R G E N T I N A,  E  T E   
L E M B R A R Á S   Q U E  E S T A R Á S   E N T Ã O   F A Z E N D O   A   V I A G E M   D A   T U A V I D A,  E   Q U E   A Q U E L AS   D O R E S   F A R Ã O   P A R T E   D E   U M A   G R A N D E HISTÓRIA.

Nesse momento, a  C O M P A N H E I R A  fará parte de ti, também.»
 
Não agarro na Companheira desde o Verão anterior à batata quente - que veio pontuar Outubro.
Tenho saudades dessas Dores, a passos luz da EM - as dores de pernas, porque a montanha era alta, de barriga, porque a comida era estranha, de cabeça, porque não havia cama mas apenas uma alcova. Das saudades de um banho quente e do luxo de uma casa-de-banho ou de um tecto. De me sentar no chão com o rabo quadrado, e de esticar as pernas em gesto de pausa. Dos sotaques e das cores, das primeiras visões, dos cheiros, das conversas nas tascas, com gírias e com gestos. Tenho saudades de olhar para o mapa e de apanhar autocarros e comboios e boleias e carroças com galinhas e familias empilhadas em cima das suas próprias mochilas, companheiras de outras vidas e de outras coisas. 

Tenho saudades de sentir aquele desconforto físico constante, a fome, o frio, o calor, o cansaço, a Mochila a pesar nas costas, essas dores que eu amo tanto, as pernas que não sentem, mas a cabeça que sente mais do que nunca. 
E tenho uma vontade dolorosíssima de as misturar (aquelas dores, as amadas) nos dias da EM, com o tal jeitinho de quem não teme.

Estou ansiosa por começar, aqui, as palavras das tais Outras Coisas Também, que por mero acaso do destino (?) não pertencem ainda a gestos nenhuns, desde a EM. E a Companheira ganhando pó no fundo do armário, vai para ano e meio.
Ah, mas isto não fica assim não!
O meu grande amigo Juan Carlos, colombiano de gema e naturalizado no meu coração coração-mole, vai-se casar em Outubro. A Companheira e eu aguardamos com o fôlego (e algumas lágrimas) preso até lá.

PS: Este texto foi pontuado, a seu final, com uma injecção. Au? Au.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Verdade ou Consequência?

Desde que fui diagnosticada, não aprendi apenas o que era exactamente(?) a EM. Aprendi também que toda a gente à minha volta a tinha – o suficiente para fazer muitas equipas futebol.
A multiplicação de peixes também se adivinhou na quantidade de tratamentos, abordagens, mitos e teorias em redor da EM: tratamentos, injecções, acupuncturas, reacções, máximas e instruções e efeitos secundários. Há as injecções diárias, as benditas dia-sim-dia-não, as semanais, as quinzenais, as mensais, os orais, os naturais e os abandonos de todos os atrás referidos e deixa-ver.
A ironia da EM é que não há regras nem duas iguais– quase deixa de fazer sentido que exista um blog sobre ela, porque cada uma tem a sua cadência e nenhum ponto – absolutamente nenhum - é papel químico de nenhum outro. Por cada história de esperança, há um desalento, e por cada vitória, há uma dormência. Por causa disto, os mitos são mais que muitos.
Quando saí do gabinete do meu semi-super-herói (o meu despachado médico) com a batata quente na mão – ainda meio azoada, como os miúdos pequenos que dão um grande trambolhão, e tardam uns segundos na surpresa, de olhos arregalados, a analisar o que aconteceu e a decidir que reacção é pertinente ao evento (eventualmente, percebem que doeu, e em doendo, decidem chorar. Mas aqueles segundos são sempre momentos de grande suspense). O primeiro ‘adulto’ que me abordou, neste arregalado vai-não-vai para reagir, foi uma enfermeira da ala onde estava internada; mas não tentou fazer-me rir para me distrair. Se eu fosse aquele miúdo pequeno, o equivalente ao discurso que me foi dedicado seria qualquer coisa como: “Caíste? Não dói assim tanto? Ainda bem, porque amanhã é que vais ver como elas mordem!”
Na realidade, foi-me dito de chofre que nunca mais poderia ir à praia. Não, nunca mais, com a cabecinha a acenar negativamente, com tom sério e nobre.
Esclarecendo os leigos nestas práticas, aclaro: é mais ou menos comum que o excesso de calor acentue o cansaço e/ou os sintomas já existentes – isto é, as lesões que já existem. Por exemplo, a minha mãe dormente ficar, ao calor, muito mais dormente, e eventualmente voltar ao “normal”, em arrefecendo.
O meu primeiro ponto é o seguinte: estávamos em Outubro, e nunca compreendi, até hoje, porque é que aquele ser humano achou que havia urgência em comunicar-me tal (disparatada) instrução – tanta urgência, que devia ser mesmo a primeira coisa a dizer-me assim que saísse do diagnóstico, não fosse eu querer ir para as Bahamas no dia seguinte.
O meu segundo e óbvio ponto é que o efeito do calor depende de pessoa para pessoa e de calor para calor, e não existem afirmações absolutas como “uma pessoa com EM não pode... [acho que esta frase pode acabar da forma que desejarem. Jogar futebol? Correr? Trabalhar? Ter filhos? Comer croquetes? Cantar?]”
Da mesma maneira que já ouvi fazer corresponder zumbidos nos ouvidos (mal de que padeço) a sintomas de EM, e o seu exacto oposto (deve ser da música alta que ouve). Ou que a fitoterapia faz muito bem (e a medicina chinesa, de facto, é anterior em milhares de anos à medicina chamada convencional), e o correspondente (oposto) risinho sarcástico de acusação de curandeirismo. Já me disseram que não me posso cansar, stressar, emocionar, excitar, agitar e ansiar. Não sei como se faz isso.
A minha postura preferida é a do meu super-médico, que me diz que eu posso fazer tudo aquilo que consiga e que não devo mudar de vida porque a EM não é uma doença comportamental. Na verdade, ninguém sabe muito o que seja, e lá inventaram aquelas categorias que eu nunca aprendi (primária, secundária, terciária...???), porque não são estanques nem exaustivas nem definitivas. Ou seja: faça a sua vida normal.
Ultimamente, também ouvi muitas vozes de pessoas que deixaram de tomar as injecções e que se sentem muito melhor. Será? Se a melhoria está relacionada com o stress e a ansiedade causados pela injecção (não cansar, stressar, emocionar, excitar, agitar ou ansiar. Não, não sei como se faz isso.), compreendo. Caso contrário, fico mais confusa. Verdade ou consequência? (Sempre odiei jogar a isto, nunca consegui ficar em paz com a escolha. Verdade. Não, consequência. Não, verdade.)
E há aquela médica norte-americana que saiu da cadeira de rodas, qual Lázaro, à custa de um regime de alimentação específico que criou, experimentou e adoptou – pelo sim, pelo não, estou a segui-lo. [Três pratos diários de vegetais e frutas não custam assim tanto, 1 verdes, 1 cores fortes e 1 sulfuqualquercoisa). Não noto diferenças (ainda!, a eterna esperança), mas estou muito mais saudável, mais magra, com o cabelo mais brilhante e com a pele mais macia, por isso acho que não estou a perder grande coisa.]
Pelo sim, pelo não, nós os “eleitos” (vulgo nós-os-que-temos-EM) vamos recolhendo informação e tentando fazer uma qualquer triagem cujos critérios, na verdade, desconhecemos.
Mas a verdade é que os médicos, os enfermeiros e os especialistas estão igualmente perdidos, e vão aprendendo mais connosco do que com os manuais. Então, eis os critérios verdadeiramente válidos sobre a EM: os que saiem directamente das nossas dormências, dos nossos temores e das nossas histórias.
Alguém me disse, há uns dias, que sentia finalmente estar a falar com os seus "pares". Venham essas histórias e esses mitos: os especialistas que me perdoem, mas acho que, na verdade (ou em consequência?), os especialistas em EM somos nós.

terça-feira, 10 de abril de 2012

A seguir ao "Porquê?", a Eterna Busca do "Como?"

Desde que inaugurei o blog, tenho este texto entalado na garganta.
Começou-me na barriga, com borboletas nervosas, e estatelou-se na única frase dita pelo meu médico em tom meio resignoderrotado.
Pois Catarina, esta doença limita muito a mobilidade.
Com mobilidade, estávamos a falar de viagens, de emigrações, de estudos lá fora e aventuras com outros sotaques e dialectos. Claro, dizerem-me isto a mim é atirarem-me o mundo em cima e um agora psst, quieta.

O problema... As administrações dos hospitais só libertam os medicamentos às pinguinhas, ora toma lá uma caixinha para um mês, só podes vir cá buscar a próxima quando só te sobrarem 3 injecções. Trabalhas?, tens problemas de mobilidade ou vais estar fora do país e não consegues vir cá levantá-la?, bem sabes que ainda tens 5 injecções mas nesse dia até passaste pelo hospital ou conseguiste que alguém o fizesse por ti e aproveitavas para levar já a segunda caixa? Não, não, não. Políticas do hospital, e muita sorte tem você que o Estado comparticipe a 100% - esta, para mim, equivale a dizerem-me que muita sorte tenho eu porque podia ter morrido atropelada no caminho para o hospital. Pois podia. Mas não fui.
É como se, de cada vez que consigo levantar uma caixa de injecções, estivesse a viver uma borla imerecida, uma esmolinha contrariada, um favor forçadíssimo. A mão que entrega a caixa por baixo do vidro (uminha, uma só!) puxa levemente em sentido contrário, se eu não agarrar com unhas e dentes, perco a vez.
  
Ah, porque as injecções são muito caras – o Copaxone e o Interferon custam cerca de 1000 euros por caixa, a qual dá para 1 mês - e as pessoas depois perdem-nas, e quem perde a final é o Estado, que as pagou. Ah, porque é mais seguro assim.

Tenho a sensação que estou a ser tratada como se fosse debilóide, e penso que talvez devesse entregar o meu Cartão de Cidadão às autoridades, para que mo guardem, visto que já o perdi 2 vezes – cidadão maior de 16 anos sem identificação, além de ilegal, é muito perigoso.
Será que além de ter EM, tenho uma incapacidade cognitiva que me impede de gerir de forma responsável a minha pessoa e bens, devendo ser tratada como uma menina de 3 anos? Parece-me difícil perder uma caixa de medicamento (excepto se formos mulheres gigantes com pochettes do tamanho de casas), ninguém se passeia com elas na rua por lazer, mas mesmo que isso aconteça, shit happens, e não é por só ter levantado a segunda caixa nos últimos 4 dias que o universo me protege de tamanha tragédia.

Ainda que eu compreenda a regra da moderação na distribuição de medicamentos que custam 1000 euros por mês, parte-me o coração bater com o nariz na porta (EM tem disto, confunde as sensibilidades), quando percebo que não existe disponibilidade absolutamente nenhuma para atender a excepções – então e se eu não conseguir sair de casa para levantar as injecções?, e se for viajar por 2 meses, por 3 até?, e se eu for estudar fora 1 ano ou mais?, e se eu receber uma oferta de trabalho imperdível noutro país?

Há sempre a hipótese-fantoche de apresentar um requerimento especial ao conselho de administração do hospital, para levantar o medicamento em causa em maior quantidade (por exemplo, de 4 em 4 ou de 6 em 6 meses). A realidade é a de que, segundo informações obtidas junto das farmácias de ambulatório dos hospitais e dos médicos, estas autorizações não são concedidas. Nem a missionários. A resposta é (e peço a vossa atenção): tem de cá vir buscar as injecções nos prazos normais.

Ora, a menos que o Estado decida comparticipar também nas passagens de avião – o que me parece um pouco despropositado -, esta teimosa rigidez de posição dificulta ou, dependendo da distância em causa, impossibilita em absoluto qualquer oportunidade de trabalho ou estudos fora do país, porque deixa sobrar apenas a hipótese de regressar a Portugal, cruzando o continente ou o oceano, todos os meses – solução economicamente (entre tantos outros ‘mentes’) inviável, como se adivinha.

Entre perguntas e telefonemas para as embaixadas, os CTT, as transportadoras (que, falando nisso, cobram entre 270 a 480 euros por transporte de medicamentos que devam ser mantidos a 8.º), as associações, os enfermeiros, os médicos, ainda não encontrei solução. Como não jogo em totolotos ou lutas de galos, também não tenho dinheiro para pagar os transportes dos medicamentos. Mas até podia ter – e aí, placavam-me as alfândegas, com as suas taxas, licenças, trâmites, papéis (qual papel?), prazos e estatutos de ‘importadora de medicamentos’.

Mas ai!, que não desisto, e enquanto a EM não dobra, não dobrarão teimas logísticas.

Há um ano que disparo para todos os lados: alguém conhece alguém que tenha emigrado, viajado, estudado ou trabalhado fora com EM? Que enquanto houver perninhas-pra-que-te-quero, elas correrão. Alguma ideia?

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Eu-tu-ele-nós-vós-eles

Sempre tive esta dúvida e confesso não ter chegado (ainda?) a conclusão nenhuma.
A conversa, demolhada em vinho quente no quiosque cor-de-rosa do príncipe real, correu mais ou menos assim:
Catarina: E a gente do teu mundo, como reage?
B.: Ah!, Como é óbvio...
(E eu acabei a frase óbvia na cabeça: Como é óbvio...)
B.: Como é óbvio, tirando a minha melhor amiga, ninguém tem de saber!
Estilhaços na minha cabeça, plim!, crash!, pum!, poing!, a sério?? Estarei a fazer tudo mal??
De repente, ecoaram nas minhas orelhas as vozes que eu já tinha ouvido: Ninguém tem nada a ver com isto Catarina, é a tua privacidade e deves salvaguardar-te.
Ai?
Pois é. Quando saí do hospital com a batata quente na mão, vinha digerindo as minhas hipóteses: chego ao trabalho e abro o jogo, pelo menos com as pessoas minimamente próximas? Ou digo a toda a gente que foi uma questiúncula mas que já passou, e logo vou gerindo a informação passo a passo? Este último era o tal conselho ecoado nas orelhas. Mas se, por um lado, não queria que me afogassem em compaixões ou preconceitos, por outro, não queria ter algo tão grande contido em mim, nem a preocupação com as reacções, nem a delicadeza da sua gestão. Apetecia-me assumir, se perguntada, a batata que eu não tinha pedido, e desdramatizar, como sempre tinha feito, as coisas más que sempre acontecem, o paciência e venham as curvas.
Mas no fundo tinha algum medo das tais compaixões e preconceitos, e entrei com o pé no escritório, depois de uma semana de ausência, decidida: para já, caladinha, um sorrido estou melhor, obrigada, apalpar terreno (meu e do mundo) e logo se via com que voz se falaria.
Graçadeu os meus amigos que partilhavam o gabinete comigo, no meio da minha hesitação, não me deram tempo para mentir: a palavra já se tinha espalhado por alguns cantos do trabalho, e já muita gente sabia. Ora bolas!, e por outro lado... caiu-me no colo a resposta que eu, avisada e amiedada, não tomava, mas cuja pele vestia, no fundo, muito melhor. Pois que se saiba. Lisboa é, de todo o modo, um pequeno mundo, onde a palavra passa-que-passa-que-corre e mais tarde ou mais cedo, os amigos dos primos dos namorados dos conhecidos já saberiam qualquer coisa – e eu pensava, pois então, sem sussurros!
Assim, desde o princípio, a minha EM foi uma coisa mais ou menos oficial. Pessoas do trabalho, conhecidos, amigos dos amigos, não tomei iniciativa na narrativa mas deixei rédea solta à batata quente, até podia ser que acabasse em alguém que conhecesse alguém que tivesse o mesmo que eu, e assim ia poder fazer perguntas.
E claro, minimizava a disseminação de histórias do género “sabes a catarina, aquela que andou na tua escola/namorou com o primo do teu vizinho/jogou futebol com a tua irmã/era da turma daquele amigo do teu amigo?, acordou paralítica e descobriu que tinha uma doença horrível!” (*história real. Aproveito para descansar os autores desta versão romanceada: não acordei paralítica e não vieram bombeiros tirar-me da cama).
Dizia eu que sempre tive esta dúvida e confesso não ter chegado ainda a conclusão nenhuma: como gerir, afinal, a (chamemos-lhe) informação da batata quente?
A minha está longe de ser estratégia ideal: já tive grandes dissabores, sei que há quem me passe a catalogar de forma diferente e quem pense que não aguento certas coisas, porque coitada. Escuso-me, por outro lado, a um certo jogo de cintura, que pode ser muito cansativo. Passo a esperar que ele venha do mundo – às vezes chega a ter graça as cambalhotas que as pessoas dão na sua atrapalhada falta de jeito.
O que eu aprendi com a B. foi que, afinal, é só uma questão de pele. A minha acabou por ser esta... não baixo o tom nem uso códigos, se perguntam, respondo, e entre as reacções mais esparvoadas ou menos ágeis, a verdade é que vou respirando com certo alívio por não ter de gerir tudo eu – eu, tu, ele, nós, vós e eles.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

'É preciso ter graça'

Ui, que hoje estou cansada. Escorrego cadeira abaixo e levo o teclado atrás, as minhas pernas parecem cabelos e a minha cabeça está a pensar muuuito d e v a g a r i n h o .

Também não ajuda ser segunda-feira, mas hoje esse é só o pretexto.

Hoje soube de mais uma miúda, como eu, que foi obrigada a juntar-se à equipa. Parece que afinal somos cogumelos e não paramos de aparecer. É doloroso imaginá-la a entrar, à força, nesta caixa de fósforos onde viemos parar, provavelmente com o mesmo gesto pasmo com que eu própria entrei – a grande EM, como uma grande explosão estatelada bem no meio do peito. Depois, os outros pormenores maliciosos, um atrás do outro: as injecções, as dúvidas, as dormências, e o tempo que passa mas não resolve grande coisa.

Contar, não contar? Contar a quem? Abrir o jogo e sujeitar-se à esparvoeira alheia ou fechar o jogo porque ninguém tem nada a ver com isso? Espernear e gritar por socorro, sim, desafogar, desafogar, desafogar, sem dúvida, mas a custo de que sanidade mental? Relativizar os outros problemas, desdramatizar, pisar outro chão, claro, mas até onde mudam as coisas?

(Ui, que hoje estou cansada e os meus cabelos parecem pernas pesadas.)

Imagino que venhas a ler isto. Olha... É o que é. E é uma grande chatice. Mas dá para continuar gozar tremendamente todas as outras coisas. Porque é preciso, e o que tem de ser tem muita força. No fundo, é tudo uma questão de descaramento.

Hoje as minhas palavras também estão moles, portanto, sirvo-me das da Elis Regina
É o som, é a cor, é o suor
É a dose mais forte e lenta
De uma gente que ri quando deve chorar
E não vive, apenas aguenta
Mas é preciso ter força
É preciso ter raça
É preciso ter gana sempre
Quem traz no corpo a marca
Maria, Maria
Mistura a dor e a alegria
Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida