Sempre tive esta dúvida e confesso não ter chegado (ainda?) a conclusão nenhuma.
A conversa, demolhada em vinho quente no quiosque cor-de-rosa do príncipe real, correu mais ou menos assim:
Catarina: E a gente do teu mundo, como reage?
B.: Ah!, Como é óbvio...
(E eu acabei a frase óbvia na cabeça: Como é óbvio...)
B.: Como é óbvio, tirando a minha melhor amiga, ninguém tem de saber!
Estilhaços na minha cabeça, plim!, crash!, pum!, poing!, a sério?? Estarei a fazer tudo mal??
De repente, ecoaram nas minhas orelhas as vozes que eu já tinha ouvido: Ninguém tem nada a ver com isto Catarina, é a tua privacidade e deves salvaguardar-te.
Ai?
Pois é. Quando saí do hospital com a batata quente na mão, vinha digerindo as minhas hipóteses: chego ao trabalho e abro o jogo, pelo menos com as pessoas minimamente próximas? Ou digo a toda a gente que foi uma questiúncula mas que já passou, e logo vou gerindo a informação passo a passo? Este último era o tal conselho ecoado nas orelhas. Mas se, por um lado, não queria que me afogassem em compaixões ou preconceitos, por outro, não queria ter algo tão grande contido em mim, nem a preocupação com as reacções, nem a delicadeza da sua gestão. Apetecia-me assumir, se perguntada, a batata que eu não tinha pedido, e desdramatizar, como sempre tinha feito, as coisas más que sempre acontecem, o paciência e venham as curvas.
Mas no fundo tinha algum medo das tais compaixões e preconceitos, e entrei com o pé no escritório, depois de uma semana de ausência, decidida: para já, caladinha, um sorrido estou melhor, obrigada, apalpar terreno (meu e do mundo) e logo se via com que voz se falaria.
Graçadeu os meus amigos que partilhavam o gabinete comigo, no meio da minha hesitação, não me deram tempo para mentir: a palavra já se tinha espalhado por alguns cantos do trabalho, e já muita gente sabia. Ora bolas!, e por outro lado... caiu-me no colo a resposta que eu, avisada e amiedada, não tomava, mas cuja pele vestia, no fundo, muito melhor. Pois que se saiba. Lisboa é, de todo o modo, um pequeno mundo, onde a palavra passa-que-passa-que-corre e mais tarde ou mais cedo, os amigos dos primos dos namorados dos conhecidos já saberiam qualquer coisa – e eu pensava, pois então, sem sussurros!
Assim, desde o princípio, a minha EM foi uma coisa mais ou menos oficial. Pessoas do trabalho, conhecidos, amigos dos amigos, não tomei iniciativa na narrativa mas deixei rédea solta à batata quente, até podia ser que acabasse em alguém que conhecesse alguém que tivesse o mesmo que eu, e assim ia poder fazer perguntas.
E claro, minimizava a disseminação de histórias do género “sabes a catarina, aquela que andou na tua escola/namorou com o primo do teu vizinho/jogou futebol com a tua irmã/era da turma daquele amigo do teu amigo?, acordou paralítica e descobriu que tinha uma doença horrível!” (*história real. Aproveito para descansar os autores desta versão romanceada: não acordei paralítica e não vieram bombeiros tirar-me da cama).
Dizia eu que sempre tive esta dúvida e confesso não ter chegado ainda a conclusão nenhuma: como gerir, afinal, a (chamemos-lhe) informação da batata quente?
A minha está longe de ser estratégia ideal: já tive grandes dissabores, sei que há quem me passe a catalogar de forma diferente e quem pense que não aguento certas coisas, porque coitada. Escuso-me, por outro lado, a um certo jogo de cintura, que pode ser muito cansativo. Passo a esperar que ele venha do mundo – às vezes chega a ter graça as cambalhotas que as pessoas dão na sua atrapalhada falta de jeito.
O que eu aprendi com a B. foi que, afinal, é só uma questão de pele. A minha acabou por ser esta... não baixo o tom nem uso códigos, se perguntam, respondo, e entre as reacções mais esparvoadas ou menos ágeis, a verdade é que vou respirando com certo alívio por não ter de gerir tudo eu – eu, tu, ele, nós, vós e eles.
7 comentários:
É nós!
Nunca fiz questão de esconder a minha EM, é uma maneira de lidar com ela. Mas por outro lado, as pessoas como não passam por isto e não sabem o que é limitam-se a saber e simplesmente a esquecerem-se logo disso. Elas continuam na vida delas e nós na nossa. Eu vivo bem porque não carrego um segredo e elas vivem bem, porque não é com elas e nunca mais se lembram disto. Se acho errado, se acho que são menos minhas amigas por causa disso? Claro que não. Como é que posso pedir a uma pessoa de fora que perceba tudo aquilo que sinto e pelo qual passei e passo?
Agora complicado mas complicado mesmo, foi quando comecei a namorar. Aí sim foi muito difícil contar, mas obviamente com as tão afamadas manchas e com a rotina do medicamento foi impossível esconder muito tempo.
Há dias em que a EM toma conta de mim e penso...que devia ficar solteira, que não sei o dia de amanhã e que talvez não seja justo meter-me numa relação...
Felizmente 90% dos dias sou só eu, com os meus sonhos e alegria de viver :)
Acho que nunca me vou habituar á EM, mas efectivamente ela é só um pormenor da minha vida. Um pormenor que só quem sabe é que percebe!
Beijinhos
Gato escaldado de água fria tem medo? Acho que é isto que se diz. Dá-me uns anos (meses, dias, que o mundo agora vira-se a mim a mil), canso-me dos jogos de cintura e dos politicamente correctos e lixem-se (vá) com a batata quente, que de certeza só queima quando é nas nossas mãos. Obrigada Catarina
B.
nao contei a ngm da minha EM, so mae, irma e ex-namorado (este ultimo arrependo-me, mas tava comigo qd fui diagnosticada, n tive hipotese. "acho" que fugiu com medo). às vezes acho que carrego um segredo horrendo, mas depois passa... penso que não conseguiria lidar com o "coitadinha", mas qualquer dia boto a boca no trombone e conto ao mundo que tenho uma amiga k vai ficar comigo pro resto da vida.
Bjs
cc
Olá.
Sem duvida que não temos uma condição fácil, mas não tenho, de todo, a sensação de carregar um segredo horrível.
Na minha opinião, acho que só temos a ganhar ao partilhar as nossas historias com quem nos rodeia. Claro que devemos filtrar o feedback e tirar o melhor que elas têm dentro da sua razoabilidade.
Eu optei por "contar ao mundo", excluindo a esteticista e o cabeleireiro e outros ilustres intervenientes na minha vida com este tipo de impacto.
Mas, após este filtro, o resultado tem sido muito positivo. E as palavras de encorajamento realmente sentidas e honestas (e sabemos ver e sentir quando o são), valem ouro.
Não me arrependo e recomendo. Partilhamos quer as crises e os momentos menos bons, mas também partilhamos as alegrias e as vitorias.
Bjs
Isabel
Olá,
Comecei os meus tratamentos com Avonex em Janeiro deste ano, após 4 anos de exames, ressonancias, PL, etc. Foram 4 anos de indefinições...
Não faço questão de contar, nem de esconder! Ajo com a naturalidade, tento desdramatizar a situação, muitas vezes omitindo alguns dos efeitos mais severos. Não quero ser coitadinha porque tenho EM, portanto não alimento essa fragilidade.
Tive 4 anos de suspeitas, e esse tempo permitiu-me digerir a ideia que tenho de viver com esta "pedra no sapato", portanto se tiver dias em que não posso correr... caminho...
Olá mais uma vez, hoje dediquei o meu tempo livre no trabalho a ler o teu blog.
Agora indo para o inicio:
Já fiz um lanche de Esclerosados perto do quiosque cor-de-rosa... ehehe...
Em relação ao assunto, eu como sou dono de uma empresa(em falência como todo o portugal) não tenho problema em dizer: Eu tenho EM!!!! As minhas duas lojas são duas faculdades e por vezes quando digo k tenho EM, ficam sem palavras, uma vez numa faculdade, onde os alunos aprendem minimamente o k é a EM, uma aluna disse-me: Então mas o senhor tem EM e está aqui!??!!!! ao k eu tive k responder, se tivesse aqui uma cama podia-me deitar, lol, ou uma cadeira, sentava-me.... lol... mas normalmente trabalha-se de pé!!! lol....
Mas infelizmente conheço muitos colegas com a vida profissional activa que escondem de tudo e todos!!! Tenho colegas k só a mulher sabe, outros só mesmo a familia mais proxima, e por ai fora. Também conheço quem tenha contado no emprego na altura do diagnostico e tudo se ter complicado, até ao despedimento.
Por isso digo a todos os colegas, todo o cuidado é pouco!!!
Um abraço a todos.
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