Desde que inaugurei o blog, tenho este texto entalado na garganta.
Começou-me na barriga, com borboletas nervosas, e estatelou-se na única frase dita pelo meu médico em tom meio resignoderrotado.
Pois Catarina, esta doença limita muito a mobilidade.
Com mobilidade, estávamos a falar de viagens, de emigrações, de estudos lá fora e aventuras com outros sotaques e dialectos. Claro, dizerem-me isto a mim é atirarem-me o mundo em cima e um agora psst, quieta.
O problema... As administrações dos hospitais só libertam os medicamentos às pinguinhas, ora toma lá uma caixinha para um mês, só podes vir cá buscar a próxima quando só te sobrarem 3 injecções. Trabalhas?, tens problemas de mobilidade ou vais estar fora do país e não consegues vir cá levantá-la?, bem sabes que ainda tens 5 injecções mas nesse dia até passaste pelo hospital ou conseguiste que alguém o fizesse por ti e aproveitavas para levar já a segunda caixa? Não, não, não. Políticas do hospital, e muita sorte tem você que o Estado comparticipe a 100% - esta, para mim, equivale a dizerem-me que muita sorte tenho eu porque podia ter morrido atropelada no caminho para o hospital. Pois podia. Mas não fui.
É como se, de cada vez que consigo levantar uma caixa de injecções, estivesse a viver uma borla imerecida, uma esmolinha contrariada, um favor forçadíssimo. A mão que entrega a caixa por baixo do vidro (uminha, uma só!) puxa levemente em sentido contrário, se eu não agarrar com unhas e dentes, perco a vez.
Ah, porque as injecções são muito caras – o Copaxone e o Interferon custam cerca de 1000 euros por caixa, a qual dá para 1 mês - e as pessoas depois perdem-nas, e quem perde a final é o Estado, que as pagou. Ah, porque é mais seguro assim.
Tenho a sensação que estou a ser tratada como se fosse debilóide, e penso que talvez devesse entregar o meu Cartão de Cidadão às autoridades, para que mo guardem, visto que já o perdi 2 vezes – cidadão maior de 16 anos sem identificação, além de ilegal, é muito perigoso.
Será que além de ter EM, tenho uma incapacidade cognitiva que me impede de gerir de forma responsável a minha pessoa e bens, devendo ser tratada como uma menina de 3 anos? Parece-me difícil perder uma caixa de medicamento (excepto se formos mulheres gigantes com pochettes do tamanho de casas), ninguém se passeia com elas na rua por lazer, mas mesmo que isso aconteça, shit happens, e não é por só ter levantado a segunda caixa nos últimos 4 dias que o universo me protege de tamanha tragédia.
Ainda que eu compreenda a regra da moderação na distribuição de medicamentos que custam 1000 euros por mês, parte-me o coração bater com o nariz na porta (EM tem disto, confunde as sensibilidades), quando percebo que não existe disponibilidade absolutamente nenhuma para atender a excepções – então e se eu não conseguir sair de casa para levantar as injecções?, e se for viajar por 2 meses, por 3 até?, e se eu for estudar fora 1 ano ou mais?, e se eu receber uma oferta de trabalho imperdível noutro país?
Há sempre a hipótese-fantoche de apresentar um requerimento especial ao conselho de administração do hospital, para levantar o medicamento em causa em maior quantidade (por exemplo, de 4 em 4 ou de 6 em 6 meses). A realidade é a de que, segundo informações obtidas junto das farmácias de ambulatório dos hospitais e dos médicos, estas autorizações não são concedidas. Nem a missionários. A resposta é (e peço a vossa atenção): tem de cá vir buscar as injecções nos prazos normais.
Ora, a menos que o Estado decida comparticipar também nas passagens de avião – o que me parece um pouco despropositado -, esta teimosa rigidez de posição dificulta ou, dependendo da distância em causa, impossibilita em absoluto qualquer oportunidade de trabalho ou estudos fora do país, porque deixa sobrar apenas a hipótese de regressar a Portugal, cruzando o continente ou o oceano, todos os meses – solução economicamente (entre tantos outros ‘mentes’) inviável, como se adivinha.
Entre perguntas e telefonemas para as embaixadas, os CTT, as transportadoras (que, falando nisso, cobram entre 270 a 480 euros por transporte de medicamentos que devam ser mantidos a 8.º), as associações, os enfermeiros, os médicos, ainda não encontrei solução. Como não jogo em totolotos ou lutas de galos, também não tenho dinheiro para pagar os transportes dos medicamentos. Mas até podia ter – e aí, placavam-me as alfândegas, com as suas taxas, licenças, trâmites, papéis (qual papel?), prazos e estatutos de ‘importadora de medicamentos’.
Mas ai!, que não desisto, e enquanto a EM não dobra, não dobrarão teimas logísticas.
Há um ano que disparo para todos os lados: alguém conhece alguém que tenha emigrado, viajado, estudado ou trabalhado fora com EM? Que enquanto houver perninhas-pra-que-te-quero, elas correrão. Alguma ideia?
16 comentários:
Fora os insultos e as pragas bramadas aos tectos da Biblioteca de Engenharia civil (em pensamento apenas, claro, a BDEC é um templo sagrado, onde a destabilização da paz é vista como profanação do espaço, exigindo, para além do reconhecimento da falta e do arrependimento, um sacrifício animal para acalmar a cólera dos ofendidos. Apesar de, na minha cabeça, ter apontado ao tecto da BDEC, os insultos tinham como alvo as administrações dos hospitais e para as mãos que entregam A caixa por baixo do vidro, essas criaturas sem sentimentos e carrancudas por natureza. É possível que este parêntesis tenha derrapado um pouco), gostei imenso de ler este post. Reconheço-te em tudo nele!, no perfume da escrita, na energia pressurizada, no humor, na causa, ... ai... em tudo menos na proposta de compra de material electrónico, que nem percebo como é que anexaste a publicidade à palavra oferta! Caso essa também seja causa tua: GRANDES MARCAS A EXCELENTES PREÇOS COM A GARANTIA DE FÁBRICA? É DE APROVEITAR QUE A PROMOÇÃO ESTÁ LIMITADA AO STOCK EXISTENTE!
A Dor Mente do João Negreiros é incrível!
Um beijo
José
Olá Catarina.
O meu nome é Isabel e descobri há 6 meses que tenho EM. Estou a lidar com a questão tão bem quanto o possivel mas de há um tempo para cá que ando a precisar de falar com alguém com quem possa partilhar experiências, tirar duvidas e que não seja somente pessoal médico. Alguém realista e não fatalista. Alguma sugestão, pf? Muito obrigada
Bom dia Isabel! Não sei se te posso ajudar, mas escreve-me e falamos (eoutrascoisastambem@gmail.com. Beijinhos
És sem dúvida a nossa voz... como me revejo nas tuas palavras. Não sei responder ás tuas perguntas mas assim que souberes agradeço que partilhes. Obrigada pelas tuas palavras.
Beijo
Mas precisará mesmo de tomar o Betaferon?! Porque é que o está a tomar? Para não ter um novo surto? isso consegue-se sem tomar nada...
Luís Teixeira Neves
Deixa a EM dobrar-te e eu acabo o serviço e faço-te em pedacinhos, ponto um! Ponto dois, and again, fala com o nosso semi-herói (porra, ele não nos safa disto, na verdade nem nos safa nada, mas é o nosso menos mau, o que mais tenta) "ah e tal, conte lá quem é que tem a mesma medicação que eu?" - se nos fecham as portas e nos querem cortar as pernas, cruzamos os braços? Entramos pela porta do cavalo, é a única onde não "não há excepções" (apesar de sermos todos uma e ninguém cá ter vindo parar por vontade). Um beijo,
B.
Parabéns pelo teu Blog, ao ler-te vejo-me a mim. tb ja pensei em emigrar, mas portadora de EM desde 2009 e com os mesmos entraves chamados - injecções, essa esmola que nos dão de 2 em 2 meses. tb a mim me foi dito que não é "prático" para nós, emigrar, sair do país por muito tempo. provavelmente, nenhum de "nós" o fez... não temos hipótese... cortam-nos as pernas! Isabel se precisares de algo tb podes contar comigo, super realista e nada nada fatalista! :) deixa o teu mail se quiseres. Continua Catarina :)
Bjs
cc
Olá Catarina,
também já me questionei sobre isso e apesar de alguém já me ter dado indicações positivas continuo a ter dúvidas, mas como é um cenário que não coloco no momento não tentei tirar a prova dos 9.
No entanto, numa das tais idas à farmácia do hospital, em conversa com a farmacêutica, até foi ela que puxou o assunto, disse-me que não deixasse que a doença me limitasse e mencionou o caso de uma pessoa que tinha um outro problema de saúde (suficientemente grave para ter tido necessidade de ter escrito o tal requerimento) e pelo que entendi foi-lhe estendido o abastecimento de 1 para 2 meses. Não sendo óptimo parece-me um sinal de abertura, e tratando-se de um país europeu um tempo razoável entre idas e vindas. Claro que fora da Europa as coisas se complicariam por questões monetárias.
Outro grande problema para mim - dado o gigante problema do desemprego no nosso país e estando eu num curso em que as saídas são nulas em Portugal neste momento ( Engenharia Civil) e em que as oportunidades quando surgem é para países em desenvolvimento como é que tu (e os outros leitores) encaravam a possibilidade de imigrar para um país deste tipo em busca de uma nova vida. Não estou a querer inferiorizar nenhum país, mas estando fora já somos estrangeiros, num país em que os serviços de saúde ainda não são comparáveis aos nossos penso que seja um grande dilema.
Cumprimentos a todos
Carlos, hei de ter respostas para ti - o país que eu namoro há anos é a Argentina, onde já vivi e onde quero voltar. E vai ter de dar, dê por onde dê! Já tenho um bloco de notas bem tosco cheio de notas e apontamentos e tarefas - partilharei as pistas recolhidas assim que derem frutos (figas, gente, figas e a chatear o mundo todo)!
ola...o meu nome e Marco tenho 25anos em Fevereiro de 2012 descobri q tinha EM sem saber bem aquilo q era la enfrentei a situaçao ou doença da mlhr maneira possivel,ate aqui smp me deram 1caixa com as respetivas injecçoes q durava para 1 mes mas so podia levantar outra caixa quando me resta s so 1 injecçao. espanto o meu quando este mes me dirigo a farmacia do hospital e me dizem q agr tenho q ir la de 15 em 15 dias para levantar as injecçoes ainda por cima tenho q fazer kilometros pk o hospital nao e na minha cidade
Olá.
Deixo, com certeza: isabcabrita@gmail.com
Fico a aguardar notícias. Muito obg :)
Isabel
Marco, a tua história bate todas em absurdo neste tema... Qual é o teu hospital?
O hospital onde estou a ser seguido e onde me dirijo sempre que preciso de levantar as injecções é o Centro Hospitalar do Alto Ave, E.P.E – Hospital de Guimarães. Foi na farmácia deste hospital que me informaram que apartir de agora só puderei levantar as injecções equivalentes ao prazo de 15 dias e não a 1 mês como era habitual.
Não tinha ainda pensado nesta situação mas de facto tornamo-nos muito limitados em termos de distancia pelo facto de termos que levantar as injecçoes todos os meses, mas assim da forma que o hospital ta a optar (sendo de 15 em dias) esta situação agrava-se mais ainda uma vez que, por exemplo, pensar em férias fora do pais terá sempre de ser num prazo muito curto. Pensei que isto passa-se a funcionar assim não só no meu hospital mas a nível nacional, mas a verdade é que também não tenho ainda a certeza absoluta que esta situação se mantenha assim para sempre. Quando voltar ao hospital irei informar-me e depois dou-vos a certeza.
Muito obrigado,
Marco
Pffff..... nem consigo imaginar o que lhes passa pela cabeça....
Há uns tempos, pedi a um amigo meu de publicidade para me ajudar a preparar uma apresentação porreira e convincente (e mais chamativa do que uma carta) para enviar a quem de direito - a seu tempo, e se não se importarem, peço-vos ajuda e colaboração. A ideia é explicar a situação e a necessidade de solução - não precisam de nos dar 10 caixas, mas alguma flexibilidade na distribuição (férias ou casos aburdos como o que tu contas).
Vou-vos pondo a par, e se souberem de mais casos destes, mais ou menos absurdos, comuniquem!
Beijinhos
Ola Catarina,sou o carlos M,nao costumo a vir ao computador ,mas hoje vim bisbihutar,tambem tenho EM desde março 2010 ,tenho 55 anos e estou a viver no luxembourgo desde ,2006 ,estou completamente admirado com o k se passa ai com as injeçoes -eu aqui actualmente vou ao neurologue de 6 em 6 meses ,e ele passa-me a receita ,para esse tempo .eu se quiser levan-to logo as 6 caixas .mas levanto 2 caixas de cada vez,na farmacia k eu quiser ,e se houver um imprevisto,a minha medica de familia,tambem me passa a receita -e por estas situaçoes k eu nao volto pra i ,e uma vergonha numa doença devastadora,controlar os doentes dessa maneira ,em vez de he darem conforto e liberdade ,ainda os oprimen mais, é 2 EM ,espero k as coisa se modifiquem para bem dos doentes.- poupem em tudo menos na saude,.um bem haja para todos,temos k ser fortes,as vezes sabe deus,mas nunca baixar os braços
Olá Catarina.
Eu era seguida no Egas Moniz, e como sou do Alentejo fui falar com a assistente social e com uma cartinha do médico foi-me dada autorização para levantar a medicação de 6 em 6 meses já que nã era nada prático e era muito dispendioso ir a Lisboa de 28 em 28 dias. Actualmente, mudei de hospital porque o médico também mudou e agora aqui tenho mesmo que ir de 28 em 28 dias a Lisboa buscar a medicação, farmácia só está aberta 4h 2 dias por semana, e se vou tipo 3 dias antes de terminar a medicação lá tenho que ouvir o raspanete que ainda tenho medicação em casa :z Da ultima vez tive ser um bocadinho agressiva nas minhas palavras com a sra farmaceutica, porque se a farmacia so esta aberta terça e quinta e eu só tinha medicação até sábado, tinha que lá ir 3 dias antes não é? Nesse dia estava mesmo irritada...mas pensamque temos prazer em fazermos este tipo de medicação? Ou pensam que andamos a fazer contrabando? Será que não basta o facto de termos a doença e a chatice de termos de andar com a medicação para qualquersitio onde vamos, e termos sempre um frigorifico e bla bla bla...? E o médico já me disse que certos fármacos estão a ser racionados e só dão medicação semanal...enfim...não compreendo mesmo.
ST
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