Há história difíceis de contar, e a da Colombia é uma delas.
A Colombia (minha Tierra querida) é mãe de um povo que amo, povo-família, povo-casa, senhor de uma amabilidade inigualável e gentileza sem fim, a la orden, que le vaya bien, como amaneció?, muy gentil, para servirle, senhora?, que dios la bendiga.
Dentro desse povo está a boa alma de um Amigo que me dedicou uma amizade e uma ternura sem limites nem compreensão, parida em jeito precoce com poucos meses de gestação, e aquecida à distância com mais pensamentos que palavras, mais rezas que conversas e mais coração que café.
Dentro deste povo estão as almas de todos os membros desta família-casa, de todas as famílias-casas, a avó que nos responde ao milésimo gracias do dia com um apaziguador tranquiiiiila encolhido nos ombros, a diana que põe a cafeteira ao lume assim que nos ouve os passos matinais no andar de cima, a família bravo-pacheco que abre espaço à mesa de qualquer-hora, o alejandro que nos acompanha todas as ruas e todas as conversas, os jantares de família que nos acolhem sem timidez, a mãe do juan que me cumprimenta e não me larga a mão, si se acorda de mi?, a mãe da mariann que me deseja várias vezes a cura e que me olha como se mergulhasse em mim adentro, os irmãos, os primos, os tios, os amigos, de um lado, do outro, às avessas.
Dentro deste povo estão todas as almas anónimas que se adentram na viagem de uno. Não pude completar uma viagem de autocarro, barco, lancha, canoa, pés, sem conversa puxada pelo ser do lado, pergunta, curiosidade, en serio?, interesse; e há uma certa inocência na facilidade com que soltam as indagações interiores em voz alta, sem timidezes nem falsos pudores.
Mas em todas estas almas, também reconheço outras histórias, partes daquela História que é demasiado complicada. É que dentro deste povo, também há uma história difícil, convivida a diário e em modo actual, mostrada nos jornais, nos testemunhos, nas primeiras e mais óbvias perguntas estrangeiras.
A violência da história colombiana - do narcotráfico, das guerrilhas, dos grupos paramilitares, do exército, das tentativas de pacificação mais violentas que o próprio soneto - é devastadora por dentro e perseguida com o olhar por fora, e marca como sangue pisado a alma do povo querido.
Bastaria contar a história da Luisa, colombiana emigrada aos states (como mil outros peregrinos do american dream, de que os próprios irmão da mariann são exemplo) e regressada à terra-mãe, que teve de mudar de distrito para que a filha - que falava inglês nativo e chamava a atenção - não fosse recrutada à força pelos paramilitares, como uma boa aquisição; as amigas da Luisa disseram-lhe, um dia: "Luisa, mejor que se vaya". E a Luisa foi.
Bastaria contar a história do guerrero de dios, velhinho terno e encarnecido que conheci numa hospedagem familiar em Cartagena, de faces tatuadas com manchas azuis de prisão e discurso meigo e empático, mais tarde confessado paranóico e vigilante, dados os 18 anos de comando superior de um grupo de paramilitares (YO apazigué Cartagena), de uma vida vivida na selva (no puedo dormir en la cama, me duermo en el suelo, qual patriarca do marquez), e de 12 anos de prisão por massacre (massacre, dito sem expressão); o mesmo velho senhor que tinha ataques de ansiedade e suores frios de quando em quando, e que me abraçou na despedida e me desejou mil graças com as mãos apertadas.
Em Cartagena, vimos três exposições de crudíssima fotografia sobre os refugiados internos e sobre as aldeias sobreviventes sob ameaça múltipla. Nos jornais, todos os dias correm a tinta as notícias sobre os quase-acordos de paz, o quase-fim, as quase-negociações. Nos tribunais, começaram a ser reivindicadas as devoluções dos terrenos expropriados pelos grupos armados nos últimos muitos-anos.
O problema ainda existe? Claro que sim (e posso dizer isto agora, sã e salva das leoas da familia).
Mas continua a não ser essa a história que quero contar. A Colombia é, acima de tudo, família, casa, pão, amor. É uma terra amável para os que lhe são estranhos, que os recebe e os acolhe à mesa, com humildade, com curiosidade, com humanidade. É uma terra onde se dança a dois, e onde se ensina a dançar quem troca os pés, um lugar que conjuga no mesmo espaço a selva amazónica, os picos nevados, as terras coloniais, as cidades-metálicas, o caribe e a montanha; os pretos, os brancos, os assim-assim, os índios, os mestiços, os retintos e os indistintos. A Colombia é surpreendente, mesmo da segunda vez.
Saio da Colombia - sim, sim, saio da Colombia (para onde?, já verão) - como sempre, a custo. Cheia de amor e de respeito e de admiração por esta tierra querida e por este povo extraordinário.
A história complicada, a seu tempo, se resolverá. Assim espero.
El riesgo es que te quieras quedar.
(video oficial)
4 comentários:
You go girl! Grande aventura!
Há uns bons anos vi "os diários de Che Guevara" e pensei, é isto que quero!! Depois veio a MS, tornei-me "medricas": europa, america do norte e pouco mais.
Fico delirante ao ler que pelo menos alguns ainda conseguem!
Não tem truque nem especialidade nenhuma, Snowball... basta querer, e a coisa faz-se - com uma geleira às costas e mais atenção ao corpo, mas a coisa faz-se.
Não deixem de fazer nada que não tenham de deixar de fazer, não podemos acrescentar limitações às que já existem!!!!!
Veio-me o grito de guerra do coração, sorry. =)=)
Beijinhos!
(cheira-me que essa mochila ou vai ser comprada ou vai ser tirada do armário;P)
quem sabe um dia tiro o pó à mochila! ;)
Enviar um comentário